quarta-feira, 23 de junho de 2010

Livre comércio

Trabalho com vendas, acho que desde que o mundo é mundo o comércio manda!

É papo de oferta e procura, capitalismo e o lucro acima do bem e do mal. E aqui na firma não é diferente tem metas e objetivos e se você não alcança sua cota, tá fora!

O turno da noite está quase encerrado, mais um pouco assume o turno da madrugada, aqui não pára é 24 horas no ar. O plantão foi o padrão, vendi toda a carga pré estabelecida, o combinado, ainda solicitei mais ao estoque, que prontamente me consignou mais 120 "pacotes de fuga", cada um a 5 reais, o que rende 600 reais, 10% é meu!

Num plantão padrão saio com 240 no bolso, a excelente qualidade do sonho vendido facilita o meu trabalho, que começa as 22 hs e se encerra as 02 hs, 240 reais em 4 horas ou 60 por hora, vale o risco? Até hoje, valeu! Apesar das cicatrizes de confrontos, quando precisei tive assistência para curar minhas feridas. Escolhi de que lado ia lutar desde cedo, isso mesmo lutar, engana-se quem acha que não é guerra, se você acredita que vive numa cidade maravilhosa, esqueça! É a guerra!

Sua cidade está sitiada e disputada por senhores feudais, eu não estou nem aí, quando cheguei a merda já estava feita, não sou eu o herói que vai mudar essa realidade, nem quero, não estou acostumado com o trabalho duro. Vejo muita gente na Tv e nos jornais culpar o usuário, mas na minha opinião de semi-analfabeto, uma vez legalizado, a disputa por mercado se encarrega de neutralizar o comércio ilegal. Mas quem quer isso? Só o consumidor. O consumidor nada pode, é a ponta fraca. Não é liberado, mas o acesso é fácil, se você quiser na minha mão "é" 5 "real" e igual a mim tem milhares espalhados por aí. Essa clandestinidade oferece para nós os penúltimos dessa hierarquia uma ínfima parcela do lucro e para os antepenúltimos também é um nada comparado aos Barões que dos seus escritórios em Brasília ou na zona sul do Rio mandam e desmandam no país.

Enquanto isso não se resolve ou enquanto não chega a minha hora, porque o que tem de braço armado do Cabral querendo que eu vire estatística não tá no gibi, eu continuo por aqui vendendo até o fim do expediente, eu e os consumidores que não falham, todos os dias eles fazem fila para aliviar as tensões da rotina.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

DIA DE PAGAMENTO (parte final)

Vendo a Lolitinha ajoelhada com a boca toda lambuzada feito criança que é, apenas dezessete anos e se sujeitando num beco de favela para sustentar seu vício, chego a uma triste conclusão que também me prostituo, me violo quando me submeto a engolir sapos por uma carteira assinada e um mísero salário no fim do mês,...

..."Eu já paguei a conta do meu telefone, eu já paguei por eu falar e já paguei por eu ouvir. Eu já paguei a luz, o gás, o apartamento Kitnet de um quarto que eu comprei a prestação pela Caixa Federal, au, au, au, eu não sou cachorro não"... (Raul Seixas)



...mas as perspectivas são ainda mais terríveis, logo mais tem sessão de esporro da chefia, meu superior vai me curvar sobre sua mesa, abaixar minhas calças jogar areia no meu rabo e:

- Seu imbecil! Onde você se enfiou ontem? Cadê a peça da engrenagem superior da injetora de alumínio? A produção ficou a noite toda parada, porque ninguém achava essa maldita peça.

E se o chefe depois de chamar minha atenção não me demitir, vai ficar no mínimo uma hora me alugando com um monólogo sobre responsabilidade, metas e produção, um blá, blá, blá que não me interessa, não ganho pra me estressar, se for para ficar sob tensão física, mental e emocional e mais caro, melhor, pra interferir no meu equilíbrio fisiológico não tem dinheiro que pague.

Layla quis continuar a brincadeira, tinha até me esquecido dela ali se limpando da brincadeira, mas já estou satisfeito, por hoje chega, duas gozadas sem penetração está de bom tamanho. Me limpo esfregando a cabeça da rola no pouco de pano da roupa dela, coloco-o pra dentro da calça e peço o número do seu celular, sabe lá quando vou precisar dos serviços de uma profissional de novo, é bom manter contatos. Agora só me resta pegar o carango e partir, até porque, daqui a pouco amanhece e mais um dia de trabalho começa e todo dia é dia.

FIM

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Ensaio sobre a Cegueira

"Na morte a cegueira é igual para todos."

"Perguntar de que morreu alguém é estúpido, com o tempo a causa esquece, só uma palavra fica, Morreu"

(JOSÉ SARAMAGO - 1922 / 2010)

ESCLARECIMENTO

O QUE ESCREVO NÃO É APOLOGIA, É FICÇÃO, BASEADO EM FATOS REAIS. NÃO ESCREVI AS MÚSICAS QUE POSTO COMO EXEMPLO.

DIA DE PAGAMENTO (parte 13)

(continuação)

Layla bate mais uma carreira de cocaína na carteira de identidade, pede que eu segure enquanto ela enrola o canudo, consigo enxergar que ainda faltam seis meses pra que ela complete dezoito anos, estou todo errado cercando uma menor de idade, artigo 214 do código penal, atentado violento ao pudor e exploração sexual de menor, a pena é de reclusão, de seis a dez anos.



Mesmo assim continuo:

- Vai ficar pro baile?

- Essa parada.

Ela cheira que nem gente grande, de ponta a ponta sem pausa, quando acaba, pega a ponta do nariz, levanta com o dedo e puxa os últimos vestígios que possa ter ficado preso nos pêlos do caminho da fossa nasal direita. Linda.

- É daqui do “Jaca” mesmo?

- Não, moro em Guapimirim, trabalho no Rio durante a semana.

- E faz o que pra ganhar a vida?

- Faço a vida.

- Novinha, você é bem direta.

- Não viu nada.

- Te achei a maior gata, quanto é pra gente fazer um amorzinho gostoso?

Layla fica toda envaidecida com o elogio e responde toda sorridente:

- Não tô de serviço, sei lá. Me paga umas cervejas, vamos trocar uma idéia, quem sabe tem desconto pra você.

Era melhor ela me dizer o preço de uma vez, esse barato no final sai caro, prefiro que ela coloque preço. Não deu outra, ela volta a alugar, fala sem parar, efeito do pó. Que furada.

Fomos pro baile, lá pelas tantas o Menor do chapa sobe ao palco e abre com o Rap Bonde do 157:

“... A intenção é má, se eu pego a madame de carro importado, jogo na cara dela meu pistolão cromado, minha sede de vingança já não tem limite, sou mais a minha nova e conspira contra a elite, então tô revoltado, tu tá ligado. Sou o menor cem porcento bolado, não tive um incentivo e nem dignidade, eu sou um excluído, foda-se a sociedade...” (Menor do Chapa)



Depois de vários funks fazendo apologia à facção, as drogas e ao sexo, como no rap doze molas, que é um modelo de tênis com amortecedores semelhante a molas:

“... Tá ligado meu irmão, essas minas tudo mercenária, elas gosta muito de um fuzil, elas gosta muito de uma pistola. Essas minas senta e rebola. É o bonde dos doze mola...”

Nesse set de músicas com referencias sexuais, o MC oferece um tênis da marca Nike para quem tirasse mais peças de roupa, quando percebi uma menina já estava nua no palco, fico excitado, pego na mão da Layla que falava das celulites das garotas e ensino o caminho, ela se arrepia e dá seu preço:

- Me compra um papel de cinco que eu vou te deixar doido.

Vou até a boca e compro o que ela quer, escolho o mais cheio. Ela me arrasta pra um beco onde outros casais estão em ação. Afoita, quer logo seu pagamento e tenta tirar o sacolé das minhas mãos. Fecho a mão e exijo que ela aguarde na disciplina. Abaixo as calças e latejando despejo a cocaína por cima. Ajeito a trilha com um cartão de telefone, Layla ansiosa, espera com o canudo pronto, confeccionado com uma nota de um real enrolada. Eu, ereto, apontado pro céu, equilibro o vício da prostituta, libero o acesso e ela cai dentro sem miséria. A “brizola” acaba e ela inicia seu oficio, fazendo uma faxina labial nos últimos resquícios de pó, mesmo com a boca seca, efeito da droga. Chupa com gosto, cospe, morde, engole até o talo, se engasga e tenta de novo. O badalo da garganta passa batido só na sucção. Não segurei mais e derramei leite goela abaixo. A putinha engoliu tudo se fartando em deleite.

(continua)

quinta-feira, 17 de junho de 2010

DIA DE PAGAMENTO (parte 12)

(continuação)

Layla me oferece um teco, não quero não, essa porra nunca mais, eu sei os meus limites, e com cocaína não tenho limites:

- Valeu gatinha, mas não vou com a ligação, prefiro a fumaça.

- Sem preconceito, sobra mais pra mim, filé.

Alugado pela matraca que não parava de me contar em detalhes todos seus problemas pessoais e familiares, apesar da pouca idade já tinha passado por tudo de pior nessa vida: foi abusada sexualmente por parente, gravidez precoce e pra piorar viciada em cocaína se ela, a Layla, estivesse em sintonia com o nome que escolheu saberia que ela, a cocaína, não mente.

“If you wanna hang out you've got to take her out; cocaine. If you wanna get down, down on the ground; cocaine. She don't lie, she don't lie, she don't lie; cocaine”... (Eric Clapton)



Do outro lado do rio saindo de um beco da Treze, boca de fumo na margem esquerda do rio, em fila, encostados na parede da última casa, limite com a rua, um menino com menos de quinze anos aponta um fuzil AR 15 que mal consegue manter a mira devido ao peso, dois outros meninos um pouco mais velhos, mas certamente menores de idade andam agachados e ajoelham no meio da rua cada um para um lado acompanham o fluxo apontando suas armas de guerra em direções opostas ações rápidas e praticamente indefensáveis, um tipo de guerra não convencional no qual o principal estratagema é de ocultação, em vielas e entoques, a extrema mobilidade dos combatentes, técnica de guerrilheiros.

Fogos de artifício estouram próximo a linha do trem, uma tensão toma conta da rua, alguns moradores entram em suas casas apressados e trancam portas e janelas, crianças que até então brincavam de bola e andavam de bicicleta são arrastadas para lugares abrigados e Layla continuava falando, o assunto da vez é sobre seu cafetão que escraviza e bate nas meninas.

Do outro lado do rio uma movimentação híbrida, centralizada por uma atitude bélica, parecem guerrilheiros, especializados em ataques de surpresa, emboscadas, combates rápidos e sabotagem. Seu ataque gera desorganização devido à alta mobilidade.

Geralmente após um ataque de poucos minutos, o grupo guerrilheiro se retira para atacar n’outro ponto mais adiante, o que ocasiona confusão e o principal objetivo: Baixas no inimigo. Se por um lado os traficantes precisam de treinamento militar adequado, por outro contam com a ajuda de populações que os defendem e com ataques-surpresa ao inimigo, policia. O conhecimento do terreno de combate é uma arma bastante usada nas ações de guerrilhas.

Dessa vez não era nada, só o “Chefão” da comunidade resolveu passear por seus domínios acompanhado por seguranças, para admirar toda a extensão de seu vasto território, território esse que também é sua prisão, desde a adolescência conta nos dedos as vezes que saiu do Jacaré, um Rei aprisionado em seu reino.

(continua)

quarta-feira, 16 de junho de 2010

DIA DE PAGAMENTO (parte 11)

(continuação)

Preciso passar o tempo até a hora do baile. Paro na sinuca, fico observando os outros jogarem, é o mata-mata o mais popular jogo de bilhar. Mentalizo e acompanho as jogadas. Os sinuqueiros eram fracos, mas apostavam de dez em dez, banca muito alta pra mim arriscar, bebo uma Skol e fico manjando os estilos. O que joga melhor é do tipo de suicida, mirava e porrava, numa dessas ignorâncias eu ri, me escapou, o suicida porrador então se vira pra mim:

- Faz melhor?

- Me desculpa, mas faço.

- Pago pra ver.

O suicida toma o taco de seu adversário e me entrega, os outros que estão com ele arrumam as bolas, vermelhas e amarelas, meu desafiante ajeita a bola branca e:

- Eu começo.

Não sou nenhum ás, mas não sou inocente. O pulo do gato é o posicionamento do taco, a traseira não pode estar muda levantada, porque a tacada pressiona a bola branca para baixo, afunda o pano e desvia a mira. Também não pode baixar demais a parte de trás do taco, para não bater na tabela no momento da execução da tacada desviando o taco da posição correta. Às vezes essa batida é muito sutil e pode nem ser percebida, mas qualquer toque, é o suficiente para errar a jogada. O melhor maneira é deixar o taco o mais próximo possível da posição horizontal. Questão delicada, merecedora de um estudo atento, à medida em que tenta colocar o taco o máximo possível na horizontal, não se deve ultrapassar os limites que proporcionam a sua livre movimentação. É o fio da navalha.

Beleza, vou jogar só uma, perder dez pratas e saltar fora. Mas meu opositor não acerta o buraco de primeira e mais com o porradão deixa as minhas bolas no jeito. Coloquei as quatro bolas vermelhas nas caçapas sem dificuldade, de primeira, sem firulas, profissional, uma cagada de sorte. Ele quer uma revanche.

- Isso é sorte de principiante. Vamos jogar mais uma pra ver se você é bom mesmo.

Tento me desvencilhar.

- Marquei com um parceiro no baile. Tenho de ir.

- Tá amarelando!

Não obtive sucesso, detesto quando me desafiam, tranqüilo, ele quer perder de novo. Ganhei a primeira, agora eu começo. Passo o giz no taco me fazendo de muito entendido, marra de quem vence, miro a branca e bato devagar, encostando nas vermelhas e deixando as coisas difíceis pro fanfarrão, que tenta todos os ângulos, e foi com o taco em pé que ele tentou sair da sinuca. Tenta essa tentativa empurra minha primeira bola para caçapa e nem acertou as dele, segurei o riso, o cabra chapadão de bagulho ri de qualquer coisa, melhor não provocar, não conhecia ninguém ali na sinuca, exceto o proprietário, que não vai comprar meu barulho. Minha vez, matei mais uma e deixei a bola branca presa de novo, o suicida se desespera, leva a mão à cabeça, diz que eu jogo sujo, me defendendo, papo de desesperado que está vendo o jogo se definindo. Uma periguete* passa pela mesa, analisa o jogo e manda na lata do suicida:

- Ta na merda!

- Vai se fuder! Não te perguntei nada, vai procurar uma rola.

A periguete é bem jeitosa, bocão de boqueteira, com uma melancia atochada numa mini-saia que devia ter uns cinco dedos de tecido. As peitcholas dignas de uma espanhola com grand finale estavam cobertas por quatro dedos de malha que deixava a barriguinha no shape exposta revelando o umbigo com um piercing que era uma corrente com pingente de borboleta. Tem outro piercing, mais discreto, no nariz uma pedrinha brilhante. O cabelo muito vermelho, alisado com ferro de passar roupa. Eu pego! Ela compra Brahma, latinha, abre e passa rebolando, gostosa, passa me encarando e:

- To torcendo por você.

Meu adversário cuspindo fogo:

- Passa fora piranha, pára de me secar.

Parto pro ataque, mato o jogo, pego minha grana, pago as cervejas que consumi e tiro duas do montante que o suicida porrador bebeu, para não passar recibo de mal vencedor, faturei vinte contos, está de bom tamanho.

Saio da sinuca, aperto o passo e reencontro a periguete numa das bocas da beira do rio: Amendoeira, Treze, sei lá nunca guardo os nomes das localidades, me guio pelo cheiro de bagulho, se o aroma passa no teste é lá que compro. Mas ela estava comprando pó, se pancando, me vê e toda sorridente se apresenta: Layla, o “y” eu que coloquei, porque ela não soletrou para mim seu nome, prefiro assim com ”y”, tudo bem ela nem deve se chamar assim e muito menos sabe que por causa do Eric Clapton que ao acompanhar de perto o sofrimento da esposa de seu amigo George Harrison, Pattie Boyd, deixada de lado pelo interesse do marido pela cultura hindu, o Deus da guitarra acabou se apaixonando. E o sofrimento por amar a mulher de seu melhor amigo o inspirou a compor: “Layla".

“… Layla. You've got me on my knees, Layla. I'm begging darling please, Layla. Darling, won't you ease my worried mind?...”



(continua)

quarta-feira, 9 de junho de 2010

DIA DE PAGAMENTO (parte 10)

(continuação)

É o fumo é de qualidade. Nessas horas sempre aparece um conhecido, hoje foi o Pablo, perdedor, ex-filhinho de papai, desde que foi preso, roubo de carros, seus pais viraram as costas para ele, sua irmã, Thaís, uma negra linda, magra e muito gostosa, arrumou um advogado estagiário, no escritório modelo da UERJ, que é gratuito para comunidade, mas ela pagou com favores sexuais, tem sempre um esperto querendo se dar bem. Culpado, o Pablo cumpriu pena e foi beneficiado por bom comportamento, saiu em quatro anos:

- Vou fumar contigo, valeu?

- Na de dois, brother.

- Tá sabendo da boa?

- Diz aí.

- Vai rolar Menor do Chapa, mais tarde no pontilhão.

"O bonde vai partir totalmente boladão, não adianta trepidar que e tudo nosso irmao!" (Menor do Chapa)



- Talvez eu passe por lá então.

O baseado acaba e o Pablo vai procurar outro trouxa para achacar, pelo menos no consumo de qualquer que seja a droga, pra ele não importa, o importante é se ligar:

“… I’m a looser, baby. So why don’t you kill me!” (Beck)



Bateu a larica, uma necessidade de me alimentar urgentemente, uma Coca-Cola e um pão doce na padaria, cai bem. Coca-Cola de garrafa de vidro e seu sabor ideal, o gás certo, gelada, um segundo antes de congelar. Como o pão doce com duas dentadas, está fresco e saboroso, deve ser o efeito da erva, a dopamina e sua sensação de prazer. Guardo o final da Coca-Cola, peço uma dose de 51, misturo os ingredientes, desce refrescante.

(continua)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

DIA DE PAGAMENTO (parte 09)

(continuação)

No feirão da Concórdia as filas de viciados dobram a esquina...

“É dia de feira, quarta-feira, sexta feira, não importa a feira. É dia de feira e quem quiser pode chegar”. (O Rappa)




Ou então:

Nêga Jurema veio descendo a ladeira trazendo na sua sacola um saco de Maria Tonteira. E a molecada avisou a rua inteira: "vem correndo que a feira já está pra começar" (Raimundos)



As filas dobram as esquinas por dois fatores: muitos receberam o salário hoje e a qualidade se sente no ar, esse cheiro atrai usuário igual no desenho animado, quando o pica-pau era seduzido pela fragrância exalada de uma torta recém tirada do forno e seguia flutuando até o alvo. Um aroma maravilhoso invade minhas narinas, é fumo de qualidade. Escolho as mais servidas na banca de vinte e cinco reais, mordomias de freguês assíduo. De posse da minha cota de bagulho, quatro mutucas estufadas com barrinhas prensadas que consigo esticar o mês todo, sem esbanjar, mas sem miséria, uns bons baseados para de manhã quando acordo, uma luz para trabalhar alivia a pressão, outro no final do trabalho e mais um pra dormir. Essa é a rotina semanal, no fim da semana também faço uso entre as refeições.

Resolvo queimar antes de partir. A maconha está excelente, é de qualidade boldinho, geralmente o boldo prensado é paraguaio, o único produto importado do Paraguai que não é falsificado, a planta bahiana é diferente: é solta, com uns fiapos vermelhos, essa não costuma chegar ao Rio de Janeiro, só chega em escala pessoal, nunca no atacado pra vender no varejo, o sabor inconfundível, saboroso. Tem também a erva do Rio São Francisco, Polígono da Maconha, Pernambuco, costuma ser fraca, conhecida como palha, os cultivadores plantam em ilhas do rio e colhem antes do tempo, armazenam de qualquer maneira, por causa da Polícia Federal que está sufocando aquela área. No Paraguai, a lei é mais flexível e podem deixar florescer o topo da arvore de Cannabis Sativa alcançando maturidade e qualidade.

“Diz que tem o Cabrobó lá em Recife, tem. Diz que tem o Home Grow no Canadá e tem. Diz que tem o Croonic na Califórnia, tem. Diz que tem o Kind Bud em Nova York, tem também. Diz que tem a La Mota Mexicana, tem. Diz que tem o Manga Rosa na Bahia, tem. Diz que tem o Skank lá na Inglaterra, tem. Diz que tem todos lá em Amsterdã, ah, isso tem!” (Marcelo D2)



Escondo quase tudo num entoque no parachoque traseiro, desmonto a forração, tirando um grampo, camuflo na lataria e coloco a forração e o grampo no lugar. Sento no capô, desfaço um pedaço da erva que separei para consumo imediato, aperto um baseado estiloso na Colomy, seda popular encontrada em qualquer birosca, acendo, carbura de primeira, puxo e prendo na pressão, seis segundos depois de aspirar a fumaça o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) chega aos pulmões e levado pela circulação, chega ao cérebro e uma excitação de neurônios envia sinais aos dopaminérgicos do sistema límbico, suscitando a liberação de mais dopamina causando sensação de prazer e euforia. Viajei, me achou sabido? Besteira! Com a internet qualquer um vira especialista, outro dia tive curiosidade e pesquisei numa lan-house o que a planta pode causar ao meu corpo, mesmo sabedor do mal que causo ao meu organismo, resolvi arriscar, o “custo / beneficio” vale a pena.

(continua)

quarta-feira, 2 de junho de 2010

DIA DE PAGAMENTO (parte 08)

(continuação)

Parto pro Jacaré e vou comprar meu estoque de maconha mensal. Como tento me manter dentro da lei, reduzo meus riscos com a polícia a uma vez por mês. Abro a janela para ficar atento aos sons, se estourarem os fogos doze por um é porque a favela está ocupada pela polícia, nesse caso é melhor escolher outra comunidade para se abastecer de cannabis, por perto tem: Manguinhos, Rato, Sampaio, Mangueira, Tuiuti e Matriz. Entro pelo Fundão, estaciono perto da segunda passarela sobre o Rio Jacaré, debaixo de uma árvore; tenho paranóia de helicóptero e de binóculos, um menor de idade, uns dez anos no maximo, me pede cinqüenta centavos, não dou, é para inteirar no crack, maldita droga, até pouco tempo atrás o Comando Vermelho proibia a entrada desse veneno no Rio de Janeiro, outros tempos, tempos românticos, tempos de comando assistencialista, de comando morador, hoje é só comercio, só lucro, a nova geração matou seus ídolos vide: o Escadinha, o Gordo; aí sobra para sociedade, que está assustada com a violência desse comando jovem e drogado, sobra para os trombadinhas, que gíria antiga, estou ficando velho, tenho de queimar um baseado, pra relaxar, para me sentir bem-humorado, aturar essas dificuldades todas de trabalho escravo.

Sempre achei demagogia culpar o viciado pela violência, é papo de quem está transferindo a culpa, mas depois do filme Tropa de Elite virou moda, o dinheiro que se paga na boca de fumo vira munição que mata polícia e inocentes.

"Tem dia que a criança chora, mas a mãe não escuta. E você nada pra fora, mas a vala te puxa. Hoje pode ser meu dia, pode até ser o seu. A diferença é que eu vou embora, mas eu levo o que é meu. Tropa de Elite osso duro de roer. Pega um, pega geral, também vai pegar você"...(Tihuana)



Aqui está todo mundo trabalhando, não tem mercado para quem não tem estudo e nessas localidades o estudo não chega nem perto. Se um irmão exibe seu sucesso, se vestindo bem, se alimentando com o melhor, comendo as mais gatas, é aquele papo, cada um tem o ídolo que merece. Se um estado não faz por onde, alguém tem que fazer, não pode ficar esperando cair do céu, resignado achando que Deus vai ajudar, se o “homem” é brasileiro nunca visitou a favela, aqui o buraco é mais embaixo.

(continua)

terça-feira, 1 de junho de 2010

DIA DE PAGAMENTO (parte 07)

(continuação)

Luís vascaíno continua falando do Vasco e eu aqui viajando no último gole de Skol, puxo o dinheiro do bolso e pago a conta, só de provocação me despeço com saudações rubro-negras:

- Valeu vice.

Irritado responde:

- Vai se fuder! Esse ano não tem Obina* certo.

Recalque é chato. Chego em frente à fábrica, penso se devo ou não voltar ao batente, decido voltar, bato o cartão e vou enrolar sem fazer nada até dar dezoito horas, dessa forma vou receber pra tomar banho, não volto mais hoje pro almoxarifado, a porra da peça da engrenagem que faz a merda desse planeta girar, vai ficar para amanhã, se quiser. Dou um pulo na sala de serviços gerais, sala é elogio, não passa de um depósito fedido pro material de limpeza, lâmpadas e outras itens para pequenos consertos que se aglomeram em estantes de ferro, as paredes livres têm pôsteres amarelados do Botafogo. Pacheco que é chefe da limpeza está espremendo uns limões no fundo do copo de geléia, joga em cima três saches de açúcar roubado da cantina e derrama álcool hidratado, esses de limpeza, sobre a massa de limão e açúcar, mistura, bebe e deixa o mel para mim, completa com um choro de álcool, misturo com o dedo e bebo, desce queimando, sinto o estrago no fundo do estômago, mas alcança seu objetivo que é chapar. Trocamos uma idéia superficial sobre o pouco que nos pagam, se eles fingem que pagam, a gente finge que trabalha.

Vou para o vestiário ainda falta meia hora pro fim do expediente, é proibido tomar banho antes de bater o cartão, mas dia de pagamento é uma bagunça, com esse papo de ter que ir receber no banco, os superiores ficam perdidos e eu aproveito para matar o trabalho que me mata. Pego um jornal que estava no chão, é de ontem, mas tá bom é só pra distrair enquanto dou uma barrigada, o limão não me caiu bem. Esses jornais de cinqüenta centavos no meio da edição têm sempre uma gostosa querendo ser famosa exibindo seus predicados. Ali no reservado me concentrei na popinha da vagaba aspirante, que sempre vem acompanhado de um textinho clichê:

“Moradora de Guadalupe a funkeira Cíntia rebola até o chão e se for a mais votada volta no sábado mostrando um pouco mais do seu talento”

Que talento uma bundinha digna de uma homenagem, deixa comigo, num instante bate o vazio, agora não tem o risco de ser precoce, mais tarde a noite promete.

Tomo banho de água fria, faço a barba com gilete cega, ferindo o rosto e deixando sobrar alguns pêlos rebeldes, passo desodorante e me visto nada de mais: jeans, camiseta preta e all-star vermelho, mesmo assim as funcionárias se perdem, o mole é descarado. Termino de me vestir e desço do vestiário, vou passando por elas que acabaram de bater o cartão e ainda vão se arrumar, eu limpo e cheiroso passo todo empinado e metido, escuto uma delas, a Vanessa telefonista, uma Loura balzaquiana, casada por duas vezes, atualmente separada está na caça de marido:

- O Ricardo dá um caldo, pena que tem o rei na barriga.

Não adianta dar moral pra essas vampiras, se você der confiança, querem namorar, aos poucos vão deixando coisas na sua casa: uma muda de roupas, uma escova de dente, pendura uma plantinha no teto, sonham com casamento e eu estou muito feliz na minha vida de solteiro convicto, matrimônio nunca mais.

“... Eu já tive lá e sei, é sempre aquela vidinha. Casado leva a vida de rei, mas tem que obedecer a rainha. Solteiro dorme com fome, mas dorme a hora que quiser, na cama que escolher cada noite com uma mulher...” (Velhas Virgens)



Bato o cartão, me despeço de alguns, no caminho para o estacionamento próximo a saída recuso o convite para beber no Luís, entro no meu carro, um Chevette hatch 1.4, 1980, bicolor, prata e grafite, com bagageiro, todo original, comprei de uma viúva que queria se desfazer o mais rápido possível do pesadelo herdado do marido, o carro dividiu com ela a atenção do falecido durante anos, só fiz colocar um som melhor que ainda hoje pago prestação da Casa e Vídeo.

(continua)